quinta-feira, setembro 23, 2010

perdi a melodia emudecida em meu ouvido tapado
passo o chapéu e cato migalhas não me dando a mim
qualquer recordação de canções ainda me valem delírios
de um depertar restituído aos meus dedos febris

entretanto meu canto é um canto extinto cuja harmonia
dá câimbra em meus desejos e a ressonância falha no eco
dum coração rachado ritmo improvisado na fuga da fonte
inesgotável partirei a juventude deste velho arco

cujas flechas murchas não afagam mais nenhuma chaga
cobiçada por alguma razão abstrata quanto ao tempo
retrocedo da capo a passos largos até os meus erros
síncope crassa e imperdoável trastejada num samba que me afaga
enquanto eu me perdia na agonia
ela dizia tudo bem tanto faz
partindo a lua à meia voz

depois da madrugada a maresia
ressaca do mar de estar a sós (solenemente)
ela quis ser eu melhor que nós

sentado outra vez vendo as meninas
sinto a nostalgia que sei fazer minha
sem a necessidade de voltar atrás
à amada imortal

(ao som de dear ted letter, teddy morgan)

fiz da minha palavra a lâmina cravada em seu flanco
certo de que você jamais a perceberia quando lesse
o quanto a sua morte é preterível e desse por acabada
não a minha mas a sua existência num beco sem saída

o inusitado dessa alegoria é que você a leria
mas nada saberia de seu significado
o que certamente fora válido
dado o ocaso do seu saber
(para você saber é um enfado ter é bem melhor do que fruir)

para entender a melodia você necessitaria errar a esmo
e sem o lastro das suas certezas comuns da materialidade da sua existência
(o que evidentemente é impossível)
ainda que busque a espiritualidade presumida
nos atos seu desejo se sobrepõe ao cuidado da divindade
(eu recomendaria a leitura de dostoiévski mas são mais de trezentas páginas)

o respaldo da sua ignorância
garante alguma beleza fugidia
a estes pés quebrados sem maestria
(sublime porque estúpida e incapaz da ironia)

para você a poesia sempre será colada num álbum de figurinhas
e as músicas apenas a trilha sonora da cervejaria
a vida um livro que se arma quando se abre
imóvel sem nenhuma criatividade ou simpatia

certo de sua estupidez ex-queridinha e eterna lembrança
(não citarei seu apelido para não comprometer a sua segurança
uma crise na existência da sua vidinha direita seria uma catástrofe
aos planos estreitos que lhe deram para ser feliz)
despeço-me na esperança de que pelo menos uma vez
você entenda que toda poesia (e toda a arte) é uma vingança

(pós escrito eu poderia discorrer mais sobre a sua hipocrisia
mas mesmo estas poucas palavras devem lhe ter causado disritmia
adeus lindinha)