segunda-feira, maio 30, 2011

no jardim do éden



não há mais o pai que nunca houve


nem mesmo a mãe que nunca houve


não há mais avô que nunca houve


nem mesmo avó que nunca houve



não há irmão que nunca o houve


nem irmã que nunca a houve


tios tias primos primas na mesa grande


já que isso mesmo nunca houve



nem sequer amores há que nunca os houve


a cúmplice sensual que nunca amou


e que um belo dia sumiu e desatinou


para nunca voltar aonde nunca esteve



amigos se houvera nunca os houve


o cão fiel numa catadupa fria


alguém para partilhar a alegria


pois nem mesmo a alegria houve um dia



a obra prima nunca houve


o poema a canção bem acabada


nem mesmo a morte houve


enfim a vida fora apenas uma vocação suicida

sexta-feira, maio 20, 2011

da série poemas ordinários




de cada amigo restou um encosto


em cada quina e a vida se me torna um estorvo




de cada amor a frase virou lodo


e o meu coração na saudade consumado




de cada citação uma verdade


e o que era eu do que sei é só saudade

houri




Com a música do amor orquestramos a grande canção da existência.


Omar Khayyám




desejo meramente a calma


a paz cálida do teu corpo


onde amortalho o meu


com o impudor de um só ser




quisera crer que foste a maldição


e não a benção que me dilacera


quando a tua língua bífida


acelera a minha alma fermenta




não te quero sempre um furacão


quero a brisa da manhã benvinda


dos cílios dos teus olhos oblíquos




e o ronronar do teu íntimo


ao despertares do sono profundo


quando somos um sonho só mútuo e único



flocos de pérolas




matilha que ladra vazia


a procura da rara iguaria


em andrajos mal trajados


tentando fugir da desgraça




acaso um passo além da fronteira


seria apenas uma agrura


ou a fuga fugidia da cultura


súbita lhe arrancaria os olhos




torta de vertigem ao ver tanta beleza


certa em seu caminho torpe


absorvendo toda a sorte de amores


acosumados a se consumir




não não adianta tentar fugir daqui


além do mar nada irá além do mau a pior


ainda que tente fazer de si o seu melhor


nada lhe resta senão existir






as afinidades eletivas




se afaste de mim


não somos iguais




menos mau


mal somos nada




ao menos se pudesse ler meus pensamentos


linda se recordaria que morrera aos bocados




a bela morte do cadáver ultrajado







celladoor




O facto de se estar vivo compensa aquilo que a vida faz a uma pessoa.


Salman Rushdie




explode-me o verso na cabeça


arrebentando as amarras que prendem meu infinito


aprendo a julgar como um menino


e já não necessito pedir perdão




destituo o tabu de ter irmãos


pois não lutamos com as mesmas armas


o quadrado retilíneo dos seus versos


não combina com as curvas da minha estrada




e com esta chaga maltratada


malbarato o artifício das palavras


quando num ranger de dentes característico


rasgo em mil pedaços nosso armistício