quarta-feira, abril 29, 2009




poema ao 29 de abril mais terrível de todos os tempos ou
à última pera do príncipe


hoje meu coração não está aqui
está na outra margem do rio
nem telefone nem navios
está há onze anos daqui

segunda-feira, abril 27, 2009


foto: sara roeder (a outra banda da poesia)

du conte

o bêbado assaz
desfaz a queixa
que o distrai

bate o martelo
contra a garganta
que se contrai

rotula o vício
num precipício
de amor e ais

levanta um brinde
para a vertigem
e bebe mais

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sexta-feira, abril 24, 2009




da série leminskianas

ii

de nada me vale o cheiro
de todos os corpos

o teu cheiro é o porto
onde abalroo o sentimento

êxtase de ir à pique
junto com minhas ideias
naufragadas

bebo tua água salgada
a sede me definha

nesta ilha deserta sem garrafa
não sou nada que se sirva

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mel mais doce que o sangue (fragmento)

A transição acontece imperceptível, o pensamento amordaça a palavra, o punho torna martelo tudo que não gire ao redor do interesse imediato, expirar até esgotar o oxigênio, então se abarca o outro num fôlego, sem emoção ou sentimento. A onda bate na pedra, o trovão é ininterrupto e intenso. O tempo deixa de ser cotidiano, suspenso por um fio louro no limite do visível. Abandono e ausência. No concrescer da idéia que procura o absoluto o corpo se pendura, oscila nas pontas dos pés até excentricamente invadir o outro que não é, duvido do caráter fragmentado desta existência, constato o tijolo a dar na minha cabeça, o qual não é possível privar daquilo que não é mera concepção, o tijolo não se concebe, ele é, mas a minha idéia atirada na testa alheia também é bem capaz de causar um galo.

quarta-feira, abril 22, 2009


sétimo selo

da série leminskianas

ao seu thadeu impronunciável

i

de tanta fé no acaso
deixei-o apostar
meu destino com a morte

um traço tênue
no fio da navalha
o último fósforo

a tinta da trave
o último tiro
e o meu horóscopo

tirei tantas finas
que meu tino não me engana

tudo o que perde
às vezes ganha

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nina simone

feeling good

quisera fazer do sonho poesia
trazer à água turbulenta a calmaria
devolver a inocência à minha sina
e reconfortar os loucos da boemia

quisera ter um pouco mais de nós
no compasso lento de um silêncio
e quem sabe saborear a sós
a nostalgia dos teus movimentos

mas combato sonolento à luz do dia
se a vida viesse e me dissesse segue
aí sim eu seguiria adiante e atroz
a lembrança escura da tua memória movediça

sexta-feira, abril 17, 2009


nina simone

you’ve got to learn

se o meu toque não apodrecesse o mundo
eu beijaria teu seio e mudo te daria
tudo tudo o que tenho
nesta vida devastada

mas não tenho nada
e este nada em mim
só o é porque me desdenhas
é o que fazes de mim

então que venha
o tudo ou o nada
que me fará a mim
ainda que no fim

se fores minha tudo
e se não fores nada

quarta-feira, abril 08, 2009


foto: miguel soza

porque ela não deveria merecer a minha tristeza

serei reconhecido pelo êxtase
palavras mal colocadas aos teus pés
e teus tamancos à porta da minha boca
sempre fresca e a tua cara meio sonsa
fazendo par aos meus olhos de revés

serei esquecido pelo matrimônio
homônimo do inferno com o inferno
cujo cinismo me torna avesso o escárnio
e no teu riso um tanto tributário
meu membro corroerá ao teu veneno

serei eu mesmo na metade da metade
onde estiver a menor parte do teu sexo
(cheiro saliva unhas muco e enzimas)
estarei à espera da tua despedida
para forrar o céu dos meus excessos

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segunda-feira, abril 06, 2009


rembrandt

novamente (old mill)

perco o prumo e a dor me trampa
um passo à frente me trinca as lentes
dantes com um rabo de arraia

a raiva e o ranger de dentes
são o menor dos intentos
se mesmo à noite ruiva
semeio veneno nas serpentes

sigo de qualquer jeito o vento ao mar me despeja
e roo a corrente da ânsia
deixo ao porto desolado a poeira

o sal é o meu deserto
donde aceitarei o pacto
pelas vias macabras
das vagas ordinárias

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