quinta-feira, janeiro 29, 2009


foto: bettina rheims, 1987

equinox

não retornarei sobre meus passos
inventarei um novo eu para o caminho
um rapto de mim do seu domínio

cada vez que eu cantar meus versos
não restituirei teu corpo delicado
vela chama ao vento

no tormento desértico de meus dias tardios
não esculpirei incólumes teus lábios
teus gestos a tua nudez infame

noites sem luas cheias em minhas mãos
cada gesto não desenhará o regresso
do sangue nas tuas unhas

infiel a mim mesmo partirei
sete palmos sob sete palmos

terça-feira, janeiro 27, 2009



bella lugosi is not dead

mudar tudo inclusive
afiar os incisivos
pra morder a carne das meninas

me lixar as unhas
tanger suas liras

lírios para o enterro dela
sem querelas
problemas e telefonemas

que a terra trema
e engula o sexo anêmico
em suas entranhas túmidas

não eu não quero o amor efêmero
quero a sofreguidão dos divinos segredos

manet, suicídio

porque era ela
porque era eu


alimento o pássaro da melancolia
tento não andar à chuva
canto canções instrumentais à plenos pulmões
fecho as janelas da alma
mas a onda ainda bate no penhasco

sexta-feira, janeiro 23, 2009


dali, mulher sentada nua, 1960


piegas

i

cada dia a mais
é um dia a menos
negros seriam seus olhos
enquanto verde é o seu medo

tracejo ensaio ensejo
engano o engodo
e não temo fundir
o seu metal pesado

desaguo sem reticências
essências no seu aquário
querer se querer é mais
do que os seus álibis


ii

poético demais
num dia sem rimas
não dou tempo
de voltar atrás

sua melodia dia a dia
em meu poema é mais

nada comum flutua
a tatuagem em meus olhos
o entulho a vida

vento em seu corpo é luz


iii

preciso navegar seus seios
encontrar o meio
do seu caminho
do meio

a paz e o sossego

sei o se quis o
ou bem jazer no
risco


iv

outrora atrás
assaz na frente
ventre contra ventre
e o que vier depois

depor contra a gente
inteligentemente a sós

terça-feira, janeiro 20, 2009


rock and roll, dali, 1957

lua de chacina

enquanto canto gota a gota a medida do meu desespero
o medo
essa flor envelhecida
põe diante dos meus olhos a vida

de dentro do livro me lembra
as regras desse jogo
não são poucas as cartas marcadas
a morte me esconde sua cara por puro pudor ou nojo

cato palavras
cato cavacos
rasgando as palmas de minhas mãos
vítima de meus vícios ou de meu suicídio
porque iniciei isso
para emaranhar os fusos
para chutar o mundo cão
ou para o meu sacrifício

enquanto canto gota a gota a medida do meu desespero
o amor
esse senhor sisudo
me dita o absurdo que fiz com meu mundo

que eu fique de joelhos e enxergue a sua imagem em meu espelho

reflito o que sou
tenho quatro patas esquerdas e um olho vesgo
o ritmo me escapa
o amor me escapa
no abandono um aceno da mão
ao canhir sinistro sou todo ouvidos
e em meus delírios a lua me beija
e mordo quem me alimenta

enquanto canto gota a gota a medida do meu desespero
perco o jeito e a fortuna
entre a gente que não entendo
mas partilha a minha culpa
barbarizando o sono estável da saudade
quem sabe a única cura para os poemas que o poeta me roubou
e que eu lhe teria dado com certeza
como também à prostituta loira de raízes ruivas
que bate a cinza no copo de cerveja
e ri do seu e do meu desespero

aliás

enquanto canto gota a gota a medida do meu desespero
a sua pele sua divinos segredos
e só posso dizer que se isso é sangue
tudo o mais seria um erro
porque errada é a minha voz
porque errado é seu corpo em meus dedos
porque errada é a sua palavra que já não conheço
a sua inveja da madrugada que me abraça e me põe no berço
ninando a minha poesia cansada entre mulheres mal amadas e bêbados

a minha casa
(a casa de meus olhos)
não está no meio do caminho do meio
é sempre o limiar
o fio da navalha na carne crua
o lado esquerdo da rua
na língua bárbara dos excêntricos
ou dos loucos varridos mesmo
quero cantar

tanto ruído em meus sentidos
olho o céu com olhos vítreos
você apegada à manhã e eu separado
de você já não quero saber nem um bocado
procuro a criança que caminhava derrubando postes a testadas

enquanto canto já não canto mais gota a gota a medida do meu desespero
deuses são também isso e ficam por isso mesmo e vão para casa
com a convicção do oráculo
o sangue do meu coração é pensamento
mais nada

segunda-feira, janeiro 05, 2009


foto: luiz modesti

cinco de paus

desperto à manhã
a nudez do teu nome
ao meu lado

creio triste e crasso
o desengano devasso

(haveria sofreguidão no enlace)

não fosse sempre aquela
outra nudez o meu cárcere

foto: ed fox

a torre

donde a estrela estanca em teu olhar
jaz oblíqua à guisa de dúvida abstrusa
cruza meu caminho a donzela estulta
cria espúria a fúria do querer depois

trotando a cobra dá o bote à luz
indiferente tu segues e seduz
plagia o sol desoladamente
enquanto o horizonte te conduz

ao teu encalço escasso contumaz
mais dou sentido ao teu receio jus
persigo a tua sombra de entremeio
e o teu cheiro a minha palavra restitui