terça-feira, maio 22, 2007

carnalismo

estou mais para o mar
do que para as flores
contra o muro atroz (caiado)

calado teu rosto me dá calafrios

a cada pegada o barro molhado
molda a tua carne macia
cantas aos cântaros a minha poesia

mas teu céu é cinza

e as tuas nuvens as tuas nuvens
inundam melodias vincam
todas as horas do meu dia
(me delicias)

quinta-feira, maio 17, 2007

o processo do desejo

aqui férreo pasto à página dos reveses
teço pejos preces terços peco e despes
no furor do encanto o gozo nu das reses

desespero cântaros e pétalas enquanto
cantarolas presto duras penas sóis
lá(s) quem sabe a sós e tudo mais

mas (intrépida trupe verde dos teus
olho[o]s) traço truques tantos planos con
tudo finjo-me teu em meu (eu[s]) enganos(s) turvos

vinte e dois


no fim do túnel havia uma luz. em frente è luz o vulto de marta. atrás de marta: eu. chegamos ao que parecia ser um banheiro de cemitério. higiênicos esses mortos. das paredes pendiam membros. e, em frente a uma escrivaninha de pedra, alguém encarapuçado lia um texto em voz alta – julguei ser um idioma muito antigo ou um inglês macarrônico – acompanhado por uma música que saía a plenos pulmões de grandes alto-falantes. a sombra do urubu da dúvida sobre meu ombro sob o caixilho da porta. soltei o piano sisifamente fascinado com o espetáculo para o qual fui convidado. alguém encarapuçado consagrou um pequeno vasilhame que continha uma dose, não, duas, para fazer uma inteira, de um líquido de cor negra que, a seguir, entregou a marta que o sorveu de um só golpe. alguma coisa estava acontecendo. subitamente marta entrou no que parecia ser um transe. trançou as pernas em minha direção e disse: dispa-se. eu tinha duas escolhas: tirar a roupa ou tocar um tango. descobri-me já nu – seria um djavan ou um dejavú? sentei-me ao piano e engatei um mi menor, isso pareceu desconcertar marta e alguém encarapuçado. eles, subitamente iniciaram uma curiosa dança e, de encontro um ao outro, com os punhos cerrados erguiam os cotovelos avançando e chutando com suas botinas pesadas. aumentei o ritmo até o êxtase.

vinte e três

o êxtase durou não sei por quanto tempo. sei que desfaleci – teria falecido? depois despertei e espantei os pernilongos que voavam em volta de mim. perplexo, observei as paredes em que uma estranha história parecia ter sido desenhada há tempos. tudo fez sentido, reconheci-me entre as figuras. eu já não confiava em marta e nem ela em mim. o urubu da dúvida alçou vôo para nunca mais. súbito, no chão, vi algo que chamou minha atenção, apanhei o estranho objeto que sorria para mim, coloquei-o na boca e imediatamente um movimento se iniciou nas entranhas de minh’alma. comecei a tecer estranhos comentários a respeito da ontologia deontológica dos ornitorrincos, falando idiomas que eu nunca soube. em pânico corri o mais rápido que pude. deparei-me com uma escada e subi, subi, subi... ergui a tampa de um bueiro e me descobri diante do esplendor do círculo do sol ao meio dia, bem no meio de um círculo de pessoas que observavam alguém saltar por um círculo de facas. minha aparição provocou assombro, o que não foi de todo mal, tendo em vista o círculo do sol escaldante. alguém se descontraiu e enroscou-se nas pontas das facas que enxergavam muito bem. alguém gritou. temendo por minha segurança ou por minha insegurança, empreendi fuga. o círculo circulava no meu encalço. eu estava no mato sem cachorro. segurei-me pelo colarinho para correr mais. foi quando ouvi:
– ei, psiu!
atendi de chofre.
– por aqui. disse-me apontando um vão entre os prédios.
enfiei-me pelo vão, que foi ficando cada vez mais estreito. à medida que eu avançava, um friozinho me arrepiava a espinha. olhei para cima a sombra dos urubus. o cheiro de sovaquinho e almíscar aumentava. por fim o frio infernal do que parecia ser um lugar conhecido. e qual não foi o meu espanto?

vinte e quatro


tudo quase foram marta e frio o .tudo foi não isso mas. estive sempre eu que em deserto ao junto, mim de criado recém, gelo de cubo o para fugir a frio o com aprendi. enrugadas paredes das esverdeada umidade a e brancos cabelos os pôs me que álcool o com aprendi. bares dos loucura na corvos os com aprendi. escuras noites nas frio o cultivar a aprendi. frio o, mas. escura lâmina na lunar mênstruo. deserto meu em quente sangue. cobra marta. cobre marta. desassossego seu de caldeirão ao desse e trato fino mais do verbena uma colhesse se como, foda cada a, fada de dedos seus com afanar insinuou se marta que deserto mim de dentro de deserto no fundida gelada lâmina a? lâmina sua de saberá quem. dele apartar me para gelo de cubo meu criei. nascimento o desde mim em trago que deserto o. deserto do frio o sobre falo. pernas quaisquer entre ou cobertas as sob escapar possa se qual do aquele não. treme todos que comum aquele não. frio, frio no foi pensei que em coisa segunda a . mim em acreditava marta mas. marta em acreditar ao idiota um fui. tempos os todos de simultaneidade a – liberdade pura a , marta. existem simplesmente ou escrevem, pintam, tocam, cantam que mulheres das élan o e marta. autonomia, principalmente, e lealdade, dedicação, paixão: qualidades maiores as tinha que marta. lascívia de chocolate um, marta. deleites maiores os orgulhosos prometendo, sexo eriçando pêlos seus e marta. boca uma como boceta a e boceta uma como boca a tinha marta – boceta uma como molhada, boceta uma como quente, suculentos lábios de pintada boca sua e marta. almíscar e sovaquinho de forte cheiro seu e marta. cobra de língua sua e marta. cobre de pele sua e marta. marta foi pensei que em coisa primeira a

terça-feira, maio 08, 2007


dezenove

antes que a cena se resolvesse, marta já não parecia mais estar ali. dela nem o cheiro. alguém partiu em seu encalço. me virei em busca de uma metáfora ou provérbio que qualificasse a fuga. nada. mais uma vez eles se foram. fui um idiota ao acreditar em marta. mas marta acreditava em mim.

vinte

imaginei que tudo tivesse acabado ali. imaginei que todos tenham imaginado que tudo tivesse acabado ali. qual que. era só o princípio, a ponta do iceberg. havia alguma coisa, alguma coisa que não cheirava bem. eu precisava resolver esse mistério, minha cabeça pairava numa nuvem., sim, eu tinha o urubu da dúvida fazendo sombra sobre meu ombro sob o caixilho da porta. resolvi tomar uma decisão. ligar os fatos. fiz um balanço sob uma árvore para lançar os meus dados de um copo aos dedos dos pés. oh dúvida cruel. a mala ou deixá-la. buldogues. claro: puro acaso. mas, conseguiria eu eliminá-lo? fui um idiota ao acreditar em marta. mas marta acreditava em mim.

vinte e um

depois de voltar ao local do crime, resolvi partir de algum lugar também. tudo se repetia. se eu ficasse no mesmo lugar a verdade iria passar por mim mais cedo ou mais tarde. eu estava nervoso, esfregava obsessivamente meu polegar na virilha, um tartufo castigado. foi quando – um raio – sovaquinho e almíscar. assim como se nada tivesse acontecido marta saiu de um bueiro:
- e aí filé, vamo pro faiti?!
a voz de marta estava pastosa e macarrônica, achei-a estranha. muito estranha. de qualquer forma eu era uma criatura sem imaginação. além do mais essa me parecia a melhor maneira de começar. sem perguntar quando onde e como, fui atrás de marta, deixando a tampa do bueiro pesar fria e hostil como uma tampa. marta caminhava tranqüila que nem uma vaca. eu carregava um piano.