foto: miguel sozaaniversárioo que quer calar em mim esse frio
esse bater de dentes cerrados que me tira
pouco a pouco de mim o desejo de encontra-menão viro o vento ao meu favor
sem deus sem perdão sem pecado
quando nada se resolve volto os olhos
ao incólume na breve lucidez desta neurose
aponto com o dedo as estrelas
e busco ouvir o som de um acaso
a luz que me permeia é sombra de um escombro
caminho desolado lado a lado atrás de meu próprio rabo
ainda que de esguelha eu olhe o rabo das meninas
e queira uma só para mim
mas me falta a paciência dos monges tibetanos
que nada dizem e nada fazem
apenas esperam que o tempo aconteça
num despertar do sonho
busco exercitar o ritmo numa síncope que não feneça
que seja apenas serena e tímida e inútil
para quem queria o amor
atravessei todos os mares
e sempre atirei no pé tentando acertar o alvo
de nada me valeram melodias
de nada me valeram poemas
de nada me valeu fazer o sorriso dos outros
enquanto em meu rosto a sombra perene do fracasso
era o único mote válido
de tudo isso não fui capaz ao menos do epitáfio
com o asco dos ratos de rua
e esse odor de baratas mortas
as minhas palavras desordenaram mais do que fizeram mundo
se fiz um mundo ele é inabitável
é frio e árido
não brotam pessoas
não alimento
não tenho nada de semelhante com os brilhantes
nem com os medíocres que causam tolerância
e condescendência
depois de meia existência
só consegui a inocência
de crer que começar tudo outra vez é impossível
porque a história não morre
e a minha essência é esta
um interminável pesadelo
que o sol não iluminará para tornar a estrada bela
eu tinjo o amarelo
e finjo fugir e cair em mim
morrer ou rir sozinho
insano num fosso sem fundo
e o dia de amanhã se tiver de vir que venha
ou que eu termine como o peru de bertrand russell